Postal do "1.º Centenário da imigração estrageira no Vale do Mucuri"
domingo, 21 de outubro de 2007
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Entrevista com Gilberto Ottoni Porto
1 – Quais são as principais ações empreendedoras de Teófilo Benedito Ottoni?
GP – Mais conhecido por suas atividades políticas, Teófilo Ottoni desde a juventude trabalhou com o pai no comércio de tecidos.
No intervalo das atividades políticas fundou com o irmão Honório a casa atacadista de tecidos Ottoni & Cia no centro comercial do Rio de Janeiro e presidiu a Comissão da Praça do Comércio, precursora da Associação Comercial por vários anos. Em 1851, recriou junto com Mauá o Banco do Brasil, sendo diretor do mesmo de 1854 a 1857.
Presidiu a Cia de Seguros Marítimos e Terrestres de 1857 a 1858 com agentes na Inglaterra, Buenos Aires, Montevidéu e todas as grandes cidades e portos do Brasil. De todas estas atividades, ressalta a construção da Cia de Comércio e Navegação do Mucuri, pioneira no desenvolvimento regional do Brasil.
2 – Porque foi criada a Cia do Mucuri?
GP – Em meados do século XIX, os 200 mil habitantes do Norte Nordeste de Minas Gerais gastavam cerca de 80 dias para atingir o Rio de Janeiro pela estrada real. No entanto, o tempo gosto para chegar a esta cidade foi reduzido a menos de 30 dias, com enorme economia de tempo e dinheiro. Isto só foi possível graças à construção de uma estrada, que acompanhando o percurso do rio Mucuri e a navegação do trecho baiano do mesmo rio. A abertura da via de comunicação garantiria a ocupação desta imensa região do nordeste mineiro pelos habitantes empobrecidos da região das minas exauridas.
3 – Como o governo de Portugal, antes da independência, via este projeto de integração?
GP – Portugal sempre se opôs à abertura de novas vias de comunicação, com receio do contrabando dos minerais preciosos das lavras mineiras. Desde o final do século XVIII, o serrano José Eloy Ottoni, tio de Teófilo Ottoni, residindo em Lisboa, já desejava a abertura desta nova estrada. Meio século depois, a criação da Cia do Mucuri pelo seu sobrinho tornaria o sonho em realidade.
4 – Por que a Cia do Mucuri é vista como tão importante para a história do Brasil pelos historiadores e estudiosos do assunto?
GP – A Cia do Mucuri, pioneira do desenvolvimento regional no Brasil, foi uma vitoriosa parceria público-privada que teve entre seus acionistas relevantes figuras do nosso país. Dentre elas, podemos ressaltar o maior empresário do império, Barão de Mauá, e o irmão de Teófilo Ottoni e o mais respeitado engenheiro de estradas do país, Cristiano Benedito Ottoni. Este último é considerado por alguns como o patrono da engenharia ferroviária brasileira. A Cia do Mucuri construiu a primeira estrada de rodagem do Brasil, com 182 quilômetros de extensão, abertos na mata virgem infestada de malária e índios ferozes. Seu evoluído projeto de engenharia possibilitava que tivesse rampa máxima de 5% e largura mínima de três metros, com todos os córregos e rios cobertos por pontes de madeira de lei. Além disso, trouxe os primeiros colonos europeus – alemães, suíços, belgas, holandeses e franceses – de uma forma planejada, para colonizar terras no nosso Estado.
5 – De onde vieram os recursos para a construção da estrada?
GP – Cerca de 75% das ações da Cia do Mucuri foram integralizadas por empresários principalmente da família Ottoni, sendo que os restantes 25% vieram da província de Minas Gerais. O governo imperial não entrou com nenhum centavo, apenas permitiu a isenção de impostos por 40 anos e a cobrança de pedágio, que não podia exceder 50% do que se cobrava na estrada real. O capital inicial da Cia totalizava o valor de 1,2 mil contos de réis, valor calculado pelo pioneirismo dos trabalhos, acrescidos que foram da experiência de imigração. Este capital ficou extremamente reduzido, ao final de 1858, em razão dos investimentos na inauguração da estrada Santa Clara – Filadélfia, que ficou com 182 km. Só nesta estrada foram gastos cerca de 1,5 mil contos. A Cia. do Mucuri faturava o suficiente para os gastos de manutenção e despesas correntes, porém não teve mais capital para continuar a estrada com o mesmo padrão construtivo até Minas Novas e Serro. Com este objetivo conseguiu empréstimo em bancos londrinos no mesmo valor de seu capital – 1,2 mil contos – mas dependia do senado para formalizar a entrada deste capital no país.
6 – Como o governo se posicionou diante desta situação?
GP – O senado, composto majoritariamente de conservadores monarquistas, temiam o êxito de uma experiência liberal republicana no vale do Mucuri e resolveu chantagear. Exigiu que a Cia do Mucuri abrisse mão dos privilégios fiscais para a liberação do empréstimo. A companhia administrava uma extensa região de livre comércio e, sem os privilégios fiscais, não tinha como honrar o pagamento do empréstimo solicitado. A Cia do Mucuri não tinha débitos em atraso, mas não podia ficar com seu projeto inconcluso. A estrada de alto padrão construtivo que, pela primeira vez no Brasil permitia em longa extensão o trajeto de carros com rodas puxados por animais, precisava chegar ao Serro e Diamantina para ampliar seu faturamento e começar a distribuir dividendos. O governo imperial propôs, então, encampar a Cia do Mucuri, indenizando os acionistas com o valor do capital inicial. A maioria dos acionistas não quiseram esperar melhores dias como pretendia Teófilo Ottoni, e aceitaram esta encampação vergonhosa.
7 – Como ficou o projeto de desenvolvimento da região com a interrupção das atividades da companhia?
GP – Após a encampação, o governo esqueceu a região que até hoje amarga os piores índices de IDH do país. Os benefícios da inclusão na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), da instalação das Zonas de Processamento de Exportação do Brasi (Zpex) e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) – ainda estão em processo de desenvolvimento.
8 – Qual foi o saldo da Cia do Mucuri?
GP – A Cia do Mucuri foi uma experiência extremamente valiosa para a província de Minas Gerais que possuía 25% do seu capital. Com pequeno investimento, atingiu uma extensa região - correspondente a uma área maior que o estado de Sergipe - com estradas abertas, colonos assentados, terras valorizadas pela presença do homem civilizado. Sem contar que a companhia ainda foi responsável por inúmeras benfeitorias como a desobstrução do rio para a navegação, a construção do porto fluvial e o desenvolvimento de atividades comerciais na região.
Se a Cia do Mucuri, no lugar de encampada com 10 anos de atividades, tivesse continuado por mais 30 anos, como era o projeto inicial, a ligação de Filadélfia – hoje cidade de Teófilo Otoni – com o Serro e Diamantina seguramente seria hoje muito melhor e sem desvios. A região do Mucuri, pioneira na construção de estradas de rodagem, apresenta hoje a triste realidade de possuir os menores índices de quilometragem asfaltada por quilômetro quadrado. O êxito da Cia do Mucuri foi o motivo da sua encampação e, atualmente, a região que se orgulha de ter construído a primeira estrada de rodagem do país, aguarda das autoridades competentes justiça com o seu passado de lutas e pioneirismo.
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GP – Mais conhecido por suas atividades políticas, Teófilo Ottoni desde a juventude trabalhou com o pai no comércio de tecidos.
No intervalo das atividades políticas fundou com o irmão Honório a casa atacadista de tecidos Ottoni & Cia no centro comercial do Rio de Janeiro e presidiu a Comissão da Praça do Comércio, precursora da Associação Comercial por vários anos. Em 1851, recriou junto com Mauá o Banco do Brasil, sendo diretor do mesmo de 1854 a 1857.
Presidiu a Cia de Seguros Marítimos e Terrestres de 1857 a 1858 com agentes na Inglaterra, Buenos Aires, Montevidéu e todas as grandes cidades e portos do Brasil. De todas estas atividades, ressalta a construção da Cia de Comércio e Navegação do Mucuri, pioneira no desenvolvimento regional do Brasil.
2 – Porque foi criada a Cia do Mucuri?
GP – Em meados do século XIX, os 200 mil habitantes do Norte Nordeste de Minas Gerais gastavam cerca de 80 dias para atingir o Rio de Janeiro pela estrada real. No entanto, o tempo gosto para chegar a esta cidade foi reduzido a menos de 30 dias, com enorme economia de tempo e dinheiro. Isto só foi possível graças à construção de uma estrada, que acompanhando o percurso do rio Mucuri e a navegação do trecho baiano do mesmo rio. A abertura da via de comunicação garantiria a ocupação desta imensa região do nordeste mineiro pelos habitantes empobrecidos da região das minas exauridas.
3 – Como o governo de Portugal, antes da independência, via este projeto de integração?
GP – Portugal sempre se opôs à abertura de novas vias de comunicação, com receio do contrabando dos minerais preciosos das lavras mineiras. Desde o final do século XVIII, o serrano José Eloy Ottoni, tio de Teófilo Ottoni, residindo em Lisboa, já desejava a abertura desta nova estrada. Meio século depois, a criação da Cia do Mucuri pelo seu sobrinho tornaria o sonho em realidade.
4 – Por que a Cia do Mucuri é vista como tão importante para a história do Brasil pelos historiadores e estudiosos do assunto?
GP – A Cia do Mucuri, pioneira do desenvolvimento regional no Brasil, foi uma vitoriosa parceria público-privada que teve entre seus acionistas relevantes figuras do nosso país. Dentre elas, podemos ressaltar o maior empresário do império, Barão de Mauá, e o irmão de Teófilo Ottoni e o mais respeitado engenheiro de estradas do país, Cristiano Benedito Ottoni. Este último é considerado por alguns como o patrono da engenharia ferroviária brasileira. A Cia do Mucuri construiu a primeira estrada de rodagem do Brasil, com 182 quilômetros de extensão, abertos na mata virgem infestada de malária e índios ferozes. Seu evoluído projeto de engenharia possibilitava que tivesse rampa máxima de 5% e largura mínima de três metros, com todos os córregos e rios cobertos por pontes de madeira de lei. Além disso, trouxe os primeiros colonos europeus – alemães, suíços, belgas, holandeses e franceses – de uma forma planejada, para colonizar terras no nosso Estado.
5 – De onde vieram os recursos para a construção da estrada?
GP – Cerca de 75% das ações da Cia do Mucuri foram integralizadas por empresários principalmente da família Ottoni, sendo que os restantes 25% vieram da província de Minas Gerais. O governo imperial não entrou com nenhum centavo, apenas permitiu a isenção de impostos por 40 anos e a cobrança de pedágio, que não podia exceder 50% do que se cobrava na estrada real. O capital inicial da Cia totalizava o valor de 1,2 mil contos de réis, valor calculado pelo pioneirismo dos trabalhos, acrescidos que foram da experiência de imigração. Este capital ficou extremamente reduzido, ao final de 1858, em razão dos investimentos na inauguração da estrada Santa Clara – Filadélfia, que ficou com 182 km. Só nesta estrada foram gastos cerca de 1,5 mil contos. A Cia. do Mucuri faturava o suficiente para os gastos de manutenção e despesas correntes, porém não teve mais capital para continuar a estrada com o mesmo padrão construtivo até Minas Novas e Serro. Com este objetivo conseguiu empréstimo em bancos londrinos no mesmo valor de seu capital – 1,2 mil contos – mas dependia do senado para formalizar a entrada deste capital no país.
6 – Como o governo se posicionou diante desta situação?
GP – O senado, composto majoritariamente de conservadores monarquistas, temiam o êxito de uma experiência liberal republicana no vale do Mucuri e resolveu chantagear. Exigiu que a Cia do Mucuri abrisse mão dos privilégios fiscais para a liberação do empréstimo. A companhia administrava uma extensa região de livre comércio e, sem os privilégios fiscais, não tinha como honrar o pagamento do empréstimo solicitado. A Cia do Mucuri não tinha débitos em atraso, mas não podia ficar com seu projeto inconcluso. A estrada de alto padrão construtivo que, pela primeira vez no Brasil permitia em longa extensão o trajeto de carros com rodas puxados por animais, precisava chegar ao Serro e Diamantina para ampliar seu faturamento e começar a distribuir dividendos. O governo imperial propôs, então, encampar a Cia do Mucuri, indenizando os acionistas com o valor do capital inicial. A maioria dos acionistas não quiseram esperar melhores dias como pretendia Teófilo Ottoni, e aceitaram esta encampação vergonhosa.
7 – Como ficou o projeto de desenvolvimento da região com a interrupção das atividades da companhia?
GP – Após a encampação, o governo esqueceu a região que até hoje amarga os piores índices de IDH do país. Os benefícios da inclusão na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), da instalação das Zonas de Processamento de Exportação do Brasi (Zpex) e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) – ainda estão em processo de desenvolvimento.
8 – Qual foi o saldo da Cia do Mucuri?
GP – A Cia do Mucuri foi uma experiência extremamente valiosa para a província de Minas Gerais que possuía 25% do seu capital. Com pequeno investimento, atingiu uma extensa região - correspondente a uma área maior que o estado de Sergipe - com estradas abertas, colonos assentados, terras valorizadas pela presença do homem civilizado. Sem contar que a companhia ainda foi responsável por inúmeras benfeitorias como a desobstrução do rio para a navegação, a construção do porto fluvial e o desenvolvimento de atividades comerciais na região.
Se a Cia do Mucuri, no lugar de encampada com 10 anos de atividades, tivesse continuado por mais 30 anos, como era o projeto inicial, a ligação de Filadélfia – hoje cidade de Teófilo Otoni – com o Serro e Diamantina seguramente seria hoje muito melhor e sem desvios. A região do Mucuri, pioneira na construção de estradas de rodagem, apresenta hoje a triste realidade de possuir os menores índices de quilometragem asfaltada por quilômetro quadrado. O êxito da Cia do Mucuri foi o motivo da sua encampação e, atualmente, a região que se orgulha de ter construído a primeira estrada de rodagem do país, aguarda das autoridades competentes justiça com o seu passado de lutas e pioneirismo.
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